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TRIBOLOGIA

1 Introdução
Para se ter uma completa compreensão do fenômeno do desgaste, é preciso que sejam
considerados outros dois aspectos, isto é, a fricção e a lubrificação. Assim, define-se a
palavra tribologia, do grego τ ρ ι β ο ς (fricção, atrito), que é a ciência e tecnologia da
interação de superfícies em movimento relativo, sendo que esta incorpora o estudo da
fricção, lubrificação e desgaste [1].
Em muitos casos, baixa fricção é desejável. A operação satisfatória de articulações,
como a do quadril humano, por exemplo, demanda uma baixa força de fricção. Contudo,
baixa fricção não é necessariamente benéfica em todos os casos. Em sistemas mecânicos,
como os freios e embreagens, fricção é essencial. Uma alta força de fricção também é
desejável entre o pneu de um veículo e a superfície do pavimento, assim com também é
importante entre o calçado e o piso durante a marcha. O mundo em que vivemos seria
completamente diferente se não houvesse a fricção entre os corpos ou se esta fosse menos
intensa.
Sempre que duas superfícies se movimentarem, uma em relação à outra, ocorrerá o
desgaste, sendo que este pode ser definido como um prejuízo mecânico a uma ou as duas
superfícies, geralmente envolvendo perda progressiva de material. Em muitos casos, o
desgaste é prejudicial, levando a um aumento contínuo da folga entre as partes que se
movimentam ou a uma indesejável liberdade de movimento e perda de precisão. A perda
por desgaste de pequenas quantidades relativas de material pode ser suficiente para causar a
completa falha de máquinas grandes e complexas. Entretanto, assim como na fricção, altas
taxas de desgaste são algumas vezes desejáveis, como em operações de lixamento e
polimento.
Um método de reduzir a fricção e, freqüentemente, o desgaste, é a lubrificação das
superfícies. Ainda assim, mesmo que um lubrificante artificial não seja adicionado ao
sistema, componentes da atmosfera (especialmente oxigênio e vapor d’água) têm um
importante efeito e precisam ser considerados em qualquer estudo da interação de
superfícies.
1.1 Rugosidade superficial
A forma mais comum de referência à rugosidade de uma superfície é através da
rugosidade média ou Ra. Esta grandeza é definida como sendo a média aritmética do desvio
de altura da superfície a partir de uma linha média através do perfil. A linha média é
definida de forma que áreas iguais do perfil ficam acima e abaixo desta (ver Figura 1).

Figura 1 – Um perfil superficial é um gráfico da altura da superfície, y, relativa à linha média, contra a
distância L.
1.2 Fricção
Quando duas superfícies nominalmente planas e paralelas entram em contato, este se
estabelece inicialmente entre as “áreas altas” da superfície, também conhecidas como
asperezas. Este contato promove a formação de “junções” de asperezas, que determinam a
intensidade da força de fricção produzida. Esta força pode ser definida como a resistência
encontrada por um corpo que experimenta movimento em relação a outro corpo. O
coeficiente de fricção (µ ) mede a magnitude da força de fricção (F) desenvolvida entre
duas superfícies em contato, sob um determinado carregamento (W) e em movimento
relativo. O coeficiente de fricção pode ser estimado pela Equação 1 (primeira lei da
fricçãio).

µ = F /W Equação 1

1.3 Lubrificação
A força de fricção total depende, principalmente, da resistência ao cisalhamento das
junções de asperezas formadas. A lubrificação tem como objetivo introduzir um filme de
baixa resistência ao cisalhamento, que acaba enfraquecendo a resistência destas junções,
reduzindo a fricção. Em alguns casos, o lubrificante não pode prevenir completamente o
contato entre as asperezas, embora possa reduzir a severidade deste. Em outras situações, o
lubrificante separa completamente as superfícies e não são formadas junções de asperezas.
Assim, a uma maior ou menor extensão, o uso de lubrificantes sempre reduzirá a taxa de
desgaste, sendo que esta será uma função direta do tipo de lubrificação presente.
1.3.1 Lubrificação Hidrodinâmica
Sob condições de lubrificação hidrodinâmica, as superfícies em movimento relativo
são separadas por um filme relativamente espesso de lubrificante fluido, o qual é produzido
hidrodinamicamente. Para que ocorra lubrificação hidrodinâmica, as superfícies opostas
devem ser “conformais”, isto é, estas devem ser tão geometricamente semelhantes, de
forma que serão separadas por somente um pequeno espaço, preenchido pelo lubrificante,
sobre uma área relativamente grande (ver Figura 2).

Figura 2 – Exemplos de superfícies conformais [1].


1.3.2 Lubrificação Elastohidrodinâmica (EHL)
Se o contato entre as superfícies não for “conformal”, isto é, envolver nominalmente
uma linha ou ponto de contato (ver Figura 3), então a tensão na zona de contato será
geralmente muito maior do que aquela encontrada para condições de lubrificação
hidrodinâmica. O contato entre dentes de engrenagens, entre a esfera e a pista de um
rolamento ou mesmo entre a cabeça femoral da prótese de quadril e o acetábulo, por
exemplo, envolvem contatos concentrados de pequena área. A lubrificação sob estas
condições é conhecida como “elastohidrodinâmica”, freqüentemente abreviada como EHL.

Figura 3 - Exemplos de contatos não “conformais” [1].


A diferença entre EHL e a lubrificação hidrodinâmica é que, nesta última, não ocorre
deformação elástica das superfícies, sendo que estas podem ser consideradas superfícies
rígidas, ao passo que em EHL, a deformação elástica das superfícies em contato não pode
ser desconsiderada. Além disso, com o aumento da tensão de contato, aumenta a
viscosidade do filme. De qualquer forma, é importante salientar que, mesmo em condições
de EHL, pode ocorrer a formação de um filme fluido pleno de lubrificante que evita,
efetivamente, o contato entre as asperezas das superfícies opostas.
A espessura mínima do filme de lubrificante (hmin.) e a rugosidade da superfície
determinam as condições de lubrificação, isto é, se irá ou não existir um filme fluido pleno
de lubrificante que separe as duas superfícies em contato. Portanto, é importante que se
defina a razão:

λ = hmin . / σ * Equação 2

onde σ * é definida por:

σ * = Rq1 2 + Rq 2 2 Equação 3

Rq1 e Rq2 são os valores de rugosidade quadrática média de cada superfície.


O valor de λ fornece uma medida de quanto provável e severo serão as interações
entre as asperezas das superfícies opostas sob um determinado regime de lubrificação. Para
λ >3, um filme fluido pleno de lubrificante separa as duas superfícies, o contato entre as
asperezas é desprezível e ambos fricção e desgaste devem ser baixos. Contudo, muitos
contatos não “conformais” operam com λ <3. O regime 1<λ <3 é conhecido como EHL
parcial ou misto, sendo que sob estas condições, algum contato entre as asperezas irá
ocorrer, sendo que o desgaste vai ser maior do que nas condições em que existe a presença
de um filme fluido pleno de lubrificante. Para valores de λ menores do que 1, somente a
presença de um lubrificante de contorno pode prevenir que a taxa de desgaste alcance
valores encontrados em um sistema não lubrificado.

1.3.3 Lubrificação de contorno


Sob altíssimas tensões de contato ou a velocidades de deslizamento muito baixas, as
forças hidrodinâmicas são insuficientes para manter um filme fino EHL entre as superfícies
em deslizamento, de forma que ocorrerá o contato direto entre as asperezas. Alta fricção e
altas taxas de desgaste prevalecerão, a menos que as superfícies estejam protegidas por um
lubrificante de contorno. Os lubrificantes de contorno agem através da formação de filmes
de moléculas adsorvidas nas superfícies. Forças repulsivas entre estes filmes, então,
suportam boa parte do carregamento e o íntimo contato entre as asperezas desprotegidas é
prevenido ou limitado. A Figura 4 ilustra o mecanismo de operação de um típico
lubrificante de contorno (uma longa cadeia de ácido carboxílico) em uma superfície
metálica.

Figura 4 - Mecanismo de operação de um lubrificante de contorno.


1.4 Desgaste
Quando uma superfície experimentar movimento relativo contra outra superfície, o
desgaste irá ocorrer, sendo que este pode ser definido como o prejuízo a uma ou ambas
superfícies, geralmente envolvendo perda progressiva de material. Basicamente, existem
dois tipos de desgaste, isto é, o desgaste por deslizamento e o desgaste causado por
partículas duras.

1.4.1 Desgaste por deslizamento


Talvez uma das formas mais importantes de desgaste por deslizamento é aquele que
envolve a adesão, denominado desgaste adesivo. O deslizamento entre duas superfícies, sob
um determinado carregamento, leva a uma contínua formação e destruição de junções de
asperezas, tendo como conseqüência a remoção de material da superfície do material mais
fraco.

1.4.2 Desgaste por partículas duras


O desgaste por partículas duras pode envolver os tipos de desgaste abrasivo e erosivo.
No desgaste abrasivo, faz-se uma distinção entre o desgaste abrasivo por dois corpos e por
três corpos. A abrasão por dois corpos é causada por duras protuberâncias na superfície
oposta de contato ou simplesmente pela diferença de dureza e ou rugosidade das duas
superfícies em contato. Já para a abrasão por três corpos, partículas duras se posicionam e
rolam entre as superfícies. Estas partículas duras podem estar presentes na forma de
contaminantes (partículas exógenas) ou podem ser geradas localmente por algum dos
mecanismos envolvidos no desgaste por deslizamento puro (partículas endógenas).
A lubrificação e os fatores ambientais, tais como, conteúdo de oxigênio atmosférico,
umidade etc. podem exercer fortes influências no desgaste por abrasão. O efeito da
lubrificação no desgaste abrasivo diverge bastante daquele encontrado para o desgaste por
deslizamento. A lubrificação, no desgaste por deslizamento, tende a atenuar o desgaste
através da redução da resistência ao cisalhamento das junções de asperezas, bem como pela
diminuição da incidência e severidade do contato entre as asperezas. Entre superfícies
relativamente lisas, filmes plenos de lubrificantes podem ser prontamente formados.
Partículas abrasivas, contudo, serão freqüentemente maiores do que a espessura do filme de
lubrificante (mesmo para um fluído pleno), de forma que este não pode prevenir o contato
entre a partícula e a superfície oposta. Assim, em desgaste abrasivo, a lubrificação não
resultará em uma considerável redução do desgaste como observado para o caso da
ausência de partículas duras, sendo que freqüentemente resulta em um aumento do
desgaste. Por exemplo, a taxa de desgaste abrasivo para metais sob condições de dois
corpos pode ser fortemente aumentada quando a lubrificação por óleo é introduzida. Este
efeito ocorre porque o lubrificante diminui a fricção entre uma partícula abrasiva e a
superfície metálica, de forma que a eficiência de corte ou remoção de material da superfície
é maior (não ocorrerá o “empastamento” da partícula abrasiva na superfície), acentuando o
desgaste. Além disso, a lubrificação inibe a adesão das partículas de desgaste às partículas
abrasivas, diminuindo a degradação da “abrasividade” sob condições de multipasses.

2 Desgaste e projeto
Desgaste, como um fator no desempenho de um sistema de engenharia, é
freqüentemente negligenciado no projeto. O desgaste leva, em muitos casos, a prejuízos
financeiros decorrentes de substituições prematuras de componentes e queda de
produtividade. Portanto, o desgaste deve ser sempre considerado nos primeiros estágios de
projeto e não ser deixado de lado até que se torne um problema.
Quando existe um movimento relativo entre superfícies, o desgaste não pode ser
completamente eliminado, ainda que, em alguns casos, possa ser reduzido a níveis
insignificantes. É importante notar que a taxa de desgaste em um sistema particular é
determinada pela interação de muitos fatores. Estes fatores podem ser divididos em dois
grupos, isto é, os fatores de estrutura do sistema mecânico e as variáveis de operação
imposta nesta estrutura. A estrutura pode ser definida pelos materiais que fazem parte do
par tribológico, a natureza de algum material interfacial presente (lubrificação ou partículas
abrasivas), o ambiente externo (gás ou líquido) e pelas relações geométricas entre estes
componentes (superfícies conformais e não conformais). As variáveis de operação são as
condições impostas no sistema durante o uso, tais como velocidade de operação,
carregamento e temperatura. Todos estes fatores podem influenciar na taxa de desgaste
desenvolvida em um determinado sistema, sendo que o projetista pode controlar a maior
parte destes.
Existe uma pequena margem de alteração das variáveis de operação, visto que estas
são usualmente determinadas pela proposta global do sistema. Contudo, em alguns casos,
pode-se tentar alterar algumas destas variáveis, com a intenção de reduzir as taxas de
desgaste. Por exemplo, no desgaste por deslizamento na presença ou não de partículas
abrasivas, a taxa de desgaste pode ser reduzida através da redução da tensão normal
aplicada (carga aplicada pela área de contato nominal), o que pode ser alcançado pela
redução da carga (muitas vezes impraticável pelas restrições impostas pelo projeto) ou pelo
aumento da área de contato.
Quanto à estrutura do sistema, pode-se afirmar que a lubrificação é um método
poderoso na redução do desgaste em muitos sistemas de deslizamento. Claramente, a
lubrificação hidrodinâmica é o estado mais desejável para estes sistemas e, se executável, o
projetista deve tentar assegurar que o sistema permaneça neste regime para todas as
condições de operação. O fator mais importante na determinação do regime de lubrificação
é a espessura mínima do filme de lubrificante, quando comparada à rugosidade da
superfície, como discutido no item 2.3.2. O valor de λ , definido pela Equação 3, pode ser
aumentado pela redução da rugosidade das superfícies ou pelo aumento da espessura do
filme de lubrificante. A rugosidade superficial é função direta do processo de acabamento
final usado na manufatura do componente ou dispositivo. A espessura do filme de
lubrificante pode ser aumentada pelo aumento da área de contato ou pelo aumento da
viscosidade do lubrificante.
A outra variável de estrutura do sistema a ser considerada diz respeito à escolha de
materiais. O desempenho relativo dos diferentes materiais varia de acordo com a aplicação
tribológica a que se destina o componente ou dispositivo, isto é, depende fortemente do
mecanismo de desgaste dominante no sistema. Em geral, maiores taxas de desgaste são
observadas para metais que deslizam contra metais do que para não-metais que deslizam
contra ambos metais ou não-metais. A maioria dos metais deslizando contra os mesmos
metais (par similar) produzem altas taxas de desgaste. Contudo, se os metais forem
dissimilares, a taxa de desgaste é menor e depende do grau de compatibilidade tribológica
dos dois metais. O termo compatibilidade indica a relutância das superfícies opostas em
formar uma forte ligação interfacial, a qual levaria a uma alta taxa de desgaste. A
compatibilidade tribológica dos metais não se correlaciona muito bem com outras
propriedades, ainda que até um certo ponto a solubilidade mútua em solução sólida é,
freqüentemente, sugerida como um guia. Em geral, pares em deslizamento com alta
solubilidade mútua apresentam baixa compatibilidade tribológica e altas taxas de desgaste.
Quanto aos materiais cerâmicos, devido aos altos valores de dureza alcançados e a
inércia química (compatibilidade tribológica), taxas de desgaste em deslizamento menores
do que aquelas observadas para os metais podem ser alcançadas. Contudo, existem
preocupações quanto ao uso destes materiais. As propriedades mecânicas (especialmente
tenacidade à fratura) podem não ser adequadas para as solicitações em serviço, bem como a
dificuldade de fabricação nas diferentes formas e a possibilidade de fratura em pequena
escala que pode levar a um mecanismo de desgaste severo. Algumas das desvantagens do
uso de componentes e dispositivos feitos de materiais cerâmicos podem ser eliminadas,
através da utilização destes materiais na forma de revestimentos em substratos metálicos,
produzidos pelos processos de aspersão térmica e deposição física e química de vapor, os
quais representam processos clássicos de Engenharia de Superfícies. Em todos os usos
tribológicos de materiais cerâmicos, lubrificação é sempre vantajosa. Contudo, a
possibilidade de interações químicas entre um lubrificante inadequado e a cerâmica,
aumentando o desgaste, sempre deve ser considerado.
Ainda que outros importantes fatores, tais como solubilidade mútua e taxa de
encruamento, possam “mascarar” o efeito da dureza, sabe-se que alta dureza é
freqüentemente benéfica. Altos valores de dureza podem diminuir a fricção total e,
portanto, a taxa de desgaste por deslizamento. Já quanto ao desgaste abrasivo, sabe-se que a
taxa de desgaste cai rapidamente se a dureza da superfície for maior que a dureza das
próprias partículas abrasivas.
A seleção de materiais de boas propriedades tribológicas, isto é, materiais que
desenvolvam pequena fricção, apresentem grande inércia física e química e alta dureza,
entre outras características, não é trivial, se forem considerados o custo, peso, dificuldade
de fabricação ou propriedades mecânicas. Assim, a engenharia de superfícies pode ser
usada para “moldar” a superfície dos materiais, tendo em vista um bom desempenho em um
sistema tribológico específico.

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